Resumo
Neste artigo, discute-se o uso do denominado “tratamento precoce” contra a COVID-19 durante o primeiro ano da pandemia no Brasil. Esse procedimento é analisado no contexto da crise da atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS). É nele que emerge o charlatanismo engajado, que ignora e despreza as evidências científicas e as boas práticas terapêuticas. A discussão se inicia com o destaque da desorganização deliberada da atenção básica do SUS feita pelo governo federal de Jair Bolsonaro. É durante esse processo que a pandemia chega. Entre os efeitos da ação bolsonarista está a desmobilização das equipes de saúde da família. Assim, a orientação do Ministério da Saúde foca apenas o isolamento social e a terapia dos casos graves em hospitais e nas unidades de terapia intensiva. Na evolução da pandemia, cria-se um conflito artificial entre proteção da saúde e retomada da produção. À medida que a pandemia avança, evidencia-se a lacuna da atenção básica. É nesse espaço que surgem usos de medicamentos “fora da bula”, destacando-se a cloroquina, a azitromicina e a ivermectina. Deve-se mencionar que parcela importante da corporação médica e de suas entidades adere à tese bolsonarista. Finalmente, inclui-se a defesa do “tratamento precoce” por Bolsonaro como parte da sua estratégia de polarização política e mobilização da sua base social em torno de notícias fraudulentas e da negação da ciência. A retórica bolsonarista tem a função específica de desprezar a doença e a necessidade de medidas de prevenção, o que contribui para aumentar a incidência e a letalidade.